Pequeno trecho


O sol já havia se posto, escurecendo o lugar, o que me deixou ainda mais nervosa porque não conseguia enxergar nada direito. Resolvi levantar e tentar achar alguma graça em tudo o que estava acontecendo. Afastei-me um pouco deles e do raio de visão da pequena fogueira. Pensei no que estaria fazendo se estivesse no Rio com minhas amigas, e uma lágrima desceu em meu rosto.
Desejei desesperadamente ir embora, sair correndo e deixá-los ali, mas acovardei-me, não sabendo onde estava nem para onde poderia ir. Olhei para o céu e falei sussurrando o nome de Phill, desejando que ele pudesse ouvir. Escrevi-lhe uma mensagem, informando onde eu estava, descrevendo sucintamente o lugar, na esperança de que ele pudesse ainda aparecer. Estava distraída, olhando o horizonte e vendo a lua despontando rodeada de estrelas. Sentia o cheiro do mato molhado de orvalho e desejava ainda mais que ele estivesse ali comigo.
— Está pensando nele, não está? — falou Paulo, bem atrás de mim. — Ele é um covarde por não querer ter vindo conosco. Apesar de toda aquela aparência de revolucionário e de roqueiro revoltado, ele não passa de um frouxo — disse andando em minha direção. — Ao invés de se prender tanto a alguém que não está aqui porque não quer, seria muito melhor se aproveitasse o lugar com quem está aqui, bem à sua frente, louco de vontade de beijar você — ia falando e se aproximando ainda mais de mim. — Garanto que ele nunca irá saber, será nosso segredo. E, se você gostar, como sei que eu irei gostar do gosto da sua boca, poderemos repetir quantas vezes quiser. Será que eu beijo melhor que ele? — perguntou com sarcasmo. — Não acredito que ele beije melhor que eu. Phill parece mais um doente de tão pálido. Ele não é homem pra você, acho que merece coisa melhor. Quero ver seu rosto como vi ontem, quando estava com ele, feliz e iluminado.
— Saia daqui! — gritei, empurrando-o. — Você não sabe o que está falando! Não sabia que tinha tanta inveja dele assim! — disse com a voz tomada de ódio. — Você é repugnante, Paulo, tenho nojo de você! Camila, tire esse homem da minha frente! Miguel, por favor, me ajude! — gritei, mas nada foi feito e ele continuou vindo em minha direção.
— Não fique com medo, não quero lhe fazer mal. Quanto mais fala assim comigo, mais quero roubar você dele — falou muito próximo de mim. — Hanna, não seja fraca como ele, tenha coragem para se divertir como uma pessoa normal. Venha aqui, me dê sua mão.
Eu fui me afastando de Paulo, dando passos para trás sem olhar para onde eu estava indo. Só queria me manter afastada, não permitindo que se aproximasse mais. Tremia de medo, estava apavorada. Foi então que pensei em Phill, querendo saber por que ele não havia atendido às minhas ligações nem tinha me retornado até o momento. Desejei com todas as minhas forças que ele entrasse naquela casa e me tirasse dali, levando-me para algum lugar bem longe. O cheiro de Paulo estava embrulhando o meu estômago e suas palavras me davam vontade de vomitar. Não entendia como alguém podia sentir tanta inveja assim de outra pessoa. Meu olhar era de pavor, quando dei um passo para trás e não senti mais o chão.
Caí do penhasco. Senti o meu corpo caindo e só então me dei conta de
que estava andando no mirante que ficava no final do terreno. Meu longo cabelo esvoaçou, cobrindo o meu rosto, fazendo-me não ver mais nada. Desesperei-me, mas minha voz não saía. Senti meu corpo batendo nos galhos de árvores muito altas, o que me fez sentir muita dor. Senti que não iria aguentar e vi a morte à minha frente. Por um ínfimo período de tempo, vi a figura dos meus pais, de Luana e das minhas amigas e, por fim, o rosto de Phill. Nesse momento, comecei a chorar.
— Phill! — exclamei sem forças, quase sussurrando.
Foi quando percebi um vulto preto, algo parecido com uma grande sombra, vindo em minha direção, pegando-me no colo. Pensei que fosse a sombra da morte. Desmaiei, achando que não veria mais ninguém que amava. Ainda estava desacordada quando ouvi uma voz familiar me chamando e senti o cheiro inconfundível de Phill.
— Hanna, você está bem? — perguntou, deitando-me no chão, apoiando minha cabeça em seu colo. — Fale comigo, por favor. Não me deixe mais desesperado do que estou. Você está toda machucada! — falou com a voz repleta de preocupação. — Responda, Hanna! — foi então que me fez um carinho no rosto e senti o toque gelado da sua mão.
— Phill, o que aconteceu? — perguntei, abrindo os olhos. Vi-o me olhar com alívio. — Estou toda doída! — Levantei o braço e vi alguns arranhões, lembrando que havia despencado do mirante. — Por que não respondeu às minhas ligações? — questionei-o com firmeza.
— Bom ouvir a sua voz, meu sol, e ver que está bem, sempre com esse gênio forte — falou e sorriu. — Depois eu cuido direito de você e respondo ao que quiser, mas agora quem irá falar sou eu — disse e se levantou, indo em direção à fogueira onde as pessoas estavam sentadas sem entender o que havia acontecido. — Fique junto de mim, vamos voltar para a fogueira. Você consegue andar?
Levantei-me com sua ajuda, segurando-me fortemente em seu braço. Depois de alguns passos, consegui andar sem ter que apoiar meu corpo nele como se fosse uma bengala, ainda mancando um pouco. Mesmo assim, não soltei sua mão por nada e lhe pedi que me levasse embora daquele lugar. Olhei ao redor e vi Hugo e Andrew no terreno, um em cada canto do quintal.
— Boa noite para todos — disse Phill, olhando fixamente para cada um que estava no lugar. — Como vai, Paulo?
— Phill, vamos embora daqui! — pedi encarecidamente.
— Não antes de fazer o que tem que ser feito. Não irá me responder, Paulo? Como vai? Está se divertindo? — ia falando e se aproximando mais da fogueira e de Paulo.
— Oi, Phill. Como entrou aqui? — perguntou Paulo, perplexo com o que estava vendo.
— Pulando pelo penhasco. Sou muito hábil. Você não estava lá também com a Hanna? Por que voltou pra cá? Não estava apreciando a companhia dela?
— Phill, me tira daqui, por favor. Estou com sede e com fome — insisti, percebendo que iria acontecer algo devido ao tom da sua voz e à presença de Hugo e Andrew, que já haviam se aproximado, silenciosamente. Olhei para Camila, que demonstrou susto quando me viu ao lado dele.
— Será que você poderia repetir pra mim o que disse durante todo esse tempo para ela? — encarava-o e era como se o seu olhar pudesse queimar.
— Eu não falei nada! Se ela lhe contou algo, é mentira.
— Não minta pra mim, Paulo! Quero que me diga tudo o que disse a Hanna durante o pôr do sol. — Nesse momento, eles estavam muito próximos, eu bem atrás dele.
— Vamos embora, Phill! — exclamei, puxando o seu braço.
— Não enquanto ele não fizer o que estou mandando! — virou-se para mim e vi o quanto estava irritado.
— Foi Hanna que veio pra cima de mim, me pedindo um beijo. Ela não é quem você pensa, amigo — disse, mentindo descaradamente e tremendo de medo.
— Phill, acalme-se — pediu Miguel. — Ele a chateou desde que chegamos aqui, mas não precisa ser tão radical.
— Miguel, por acaso você sabe onde Hanna estaria agora se eu não tivesse aparecido? Não responda o que é óbvio, não se dê ao trabalho, estavam muito entretidos com a conversa e com a bebida para perceber o que estava acontecendo com ela — disse e olhou no rosto de todos, parando em Camila e a encarando com um pouco mais de força. — Nesse momento, vocês a estariam procurando no penhasco e somente a encontrariam com o dia claro, morta entre as árvores. Por isso, Miguel, cale a boca e deixe Paulo responder, caso não queira que sobre pra você também. Não estou interessado em mentiras e não gosto que mintam pra mim.
— O que aconteceu, Hanna? — perguntou Camila, levantando-se e vindo em minha direção.
— Depois conversamos, Camila — falei, fazendo um pequeno gesto, pedindo-lhe para não se aproximar. — Vamos sair daqui, Phill!
— Até poucos minutos atrás estava cheio de força, falando de forma firme. O que aconteceu? — Phill olhava-o firmemente, ignorando o meu pedido. — Não vou mais insistir, prefiro eu mesmo refrescar sua memória, afinal de contas estou na frente de um frouxo. Não sabia que tinha tanta inveja de mim. Para ser sincero, acho que o que sente por mim não é inveja, e o que sentiu quando me viu com ela foi ciúme, porque você queria estar no lugar dela. Se há alguém que gosta de outra coisa, esse alguém é você. Afirmo, na sua frente, que não era a boca de Hanna que queria sentir, e sim a minha. Será que tem coragem para confirmar tudo o que estou dizendo? Ou melhor, será que teria coragem de vir aqui para sentir o gosto da minha boca?
Seus olhos brilhavam e seus dentes brancos e pontudos já saíam pelo canto de seu lábio. Empalideceu ainda mais, mostrando para todos o que ele era. Transferi minha atenção para Hugo e Andrew, e notei apreensão em seus olhos.
— Chega, Phill! Controle-se, pense bem no que está fazendo para não se arrepender. Não estamos mais no século XVIII.
— Não se preocupe, Andrew. Hugo dará um jeito em tudo depois que eu terminar. Quero ouvir a sua voz, Paulo, ou será que o gato comeu a sua língua? — perguntou circulando-o de forma extremamente rápida, enquanto Paulo permanecia imóvel e eu também, bem diante dele.
— Phill, desculpe-me, não queria ter feito o que fiz. Eu só queria saber o que ela tem de especial para tê-lo deixado tão feliz. Não queria que ela tivesse despencado do mirante.
— Já estou farto de mentiras! — exclamou olhando firmemente em seus olhos. — Olhe bem para mim e me diga se há como mentir sem que eu saiba — falou e bateu em seu rosto com força, fazendo-o cair, porém pegou-o com violência, levantando-o e logo o soltando, fazendo escorrer seu sangue por um corte. — Olhe para mim e diga o que sou.
Naquele momento, todos estavam de pé, embasbacados com o que viam. Um vampiro extremamente irritado, frente a frente com Paulo, enfrentando-o e encorajando-o a beijá-lo. Vi o medo estampado no rosto de todos. Camila me olhava com espanto, mas também com fascínio, na dúvida se eu já sabia ou não que eles eram vampiros. Não consegui encarar o seu olhar, escondendo-me atrás de Phill para que não visse como estava envergonhada com tudo.
— Vamos, Paulo. Será que além de tudo é cego? Não tenho todo o tempo do mundo. Não vê que ainda tenho que cuidar dos ferimentos dela?
— Admito: gosto do seu jeito, sempre gostei, apesar de nunca ter sentido nenhuma atração por outros homens. Queria ser como você, desde o primeiro dia em que o vi — falou de forma firme, apesar da aparente timidez, como se estivesse em transe. — Sempre achei que possuía algo misterioso envolvendo o seu olhar. Agora sei o que me encantava. Você é um vampiro.
— Obrigado pela sua colaboração. Não queria matá-lo sem que todos ouvissem quem você realmente é, sempre dou essa oportunidade para os humanos fracos e frouxos como você. Sempre se culpando e se perguntando o porquê de tudo, quando seria muito mais fácil ser sincero consigo. Sempre se importando mais com o que as pessoas irão falar do que com o seu próprio sentimento — falou e ficou ainda mais próximo a ele. Seus rostos estavam praticamente colados.
— Phill, basta! — exclamou Andrew. — Leve-a daqui antes que a assuste ainda mais — falou segurando o seu braço.
Assistia àquela cena chocante e não conseguia acreditar no que estava vendo. Por um segundo, fechei os olhos, não querendo vê-lo tão próximo a Paulo. Estava confusa, louca de raiva, de ciúmes e de dor. Como Phill poderia estar se comportando daquele modo? Era a única pergunta que se repetia em minha mente. Continuava atrás dele ainda de olhos fechados, escondendo-me em seus longos cabelos, sentindo o seu perfume para tentar me acalmar.
— Desculpe-me, Andrew, mas não posso voltar atrás. Muito já foi dito e não vou deixá-lo sair daqui impune pelo que fez a Hanna — virou-se para Andrew ao falar, mas logo depois voltou a olhar fixamente para a sua vítima.
— Paulo, eu poderia drenar todo o seu sangue, mas você é tão repugnante que não irei deixar nenhuma gota dele nem para os ratos. — Com movimentos extremamente rápidos, quebrou-lhe o pescoço, jogando o corpo de forma muito hábil na fogueira. Com isso, subiu uma grande labareda, queimando-o.
— Vamos, Hanna, agora eu tenho que cuidar de você. Hugo e Andrew cuidam do resto.
— Seria melhor que déssemos um jeito em Hanna também — afirmou duramente Andrew, colocando-se em sua frente e impedindo-o de dar mais um passo. Sua atitude a deixou em estado de choque.
Foi então que ele se virou para mim, olhando-me nos olhos, segurando fortemente meus braços. Sem pronunciar uma única palavra, disse-me que me amava, pedindo-me para continuar confiando nele.
— Cuidem dos outros porque eu, eu, cuido dela — falou de forma enfática. — Sempre foi assim e continuará a ser desse jeito para sempre. — Virou-se então para Camila, puxando-me pelo braço. — Camila, nunca mais ofereça essas porcarias de que gosta para sua amiga. Se você quer se matar aos poucos, tudo bem, não irei recriminá-la, afinal, cada um sabe de si, mas não permitirei que faça o mesmo com Hanna. Amiga que é amiga cuida, e você está mais preocupada com os seus interesses do que com o que ela sente. Se estivesse mais presente e lúcida, teria percebido o que estava acontecendo com ela.
— Phill, já fez o que queria fazer, agora vá embora — falou Andrew duramente, elevando a voz e colocando-se entre ele e Camila. — Já há muito trabalho a ser feito, não quero que piore ainda mais as coisas.
— Piorar o quê? Eu sempre faço o que me pede, já limpei muitas sujeiras suas durante séculos sem pronunciar minha opinião, então não me recrimine, dizendo que estou exagerando. Camila precisa ouvir o que estou dizendo, e você sabe o porquê de tudo o que estou falando, mas talvez não seja do seu interesse que eu a alerte. Além do mais, não quero que ela faça mal a Hanna.
Quanto mais ele falava, mais eu ficava assustada. Não queria vê-lo tão nervoso, mas não sabia o que poderia fazer para acalmá-lo. Sinceramente, tinha consciência de que precisava tirá-lo daquele lugar para que a situação não piorasse ainda mais, mas não sabia como. A sensação de impotência me deixou ainda mais irritada e com raiva. Olhei ao redor e vi pavor estampado nos rostos de Miguel, César, Adônis e Camila. Ao ver sua expressão, corri e a abracei com força, não conseguindo conter as lágrimas. Ela se entregou ao meu abraço, chorando fortemente, sem pronunciar uma só palavra. Percebi o quanto também sofria com tudo aquilo.
— Por hoje basta. Não quero mais ver vocês brigando. Já fez o bastante, Phill. Agora está na hora de se acalmar e tirar Hanna desse lugar — disse uma voz doce vindo do portão, dirigida a Phill e Andrew.
Todos olharam naquela direção e viram uma linda mulher com cabelos longos, levemente cacheados e castanhos, vestida com um vestido leve e transparente, caminhando elegantemente por entre os escombros. Seu caminhar era tão suave que não parecia estar andando sobre pregos e madeiras soltas. Seus olhos brilhavam, seus cabelos voavam ao vento e seu cheiro doce se espalhou pelo lugar. Virei-me para ela e pensei: Pâmela. Fui até ela, como se algo estivesse me puxando.
— Muito bom ver você, querida! — disse abrindo os braços para me abraçar.
— Pena que tenha sido em circunstâncias tão adversas. — Abraçou-me com carinho e pediu-me para não me assustar tanto com que acabara de presenciar.
— Você sempre foi o grande amor de Phill. Vê-la morrer foi muito duro para ele — falou ao meu ouvido, levando os dedos ao meu rosto, enxugando minhas lágrimas. — Venha, ele precisa de você da mesma forma que você precisa dele. — Pegou-me pela mão e me entregou a ele.
Camila a olhou com raiva, mesmo depois de tudo o que vira e ouvira durante a noite. Pâmela me deixou com Phill e pediu-nos que saíssemos dali para que conseguíssemos nos acalmar. Ela sabia que seria impossível acalmar seu cunhado de outra forma que não fosse por meu intermédio. Depois, olhou todos, um por um, chamando Hugo e Andrew. Em seguida, Phill me pegou no colo e saímos, indo até seu carro. Não parava de tremer, estava apavorada com o que acabara de viver.

Esse trecho faz parte do capítulo 8 do livro.